lo tuyo es puro teatro
tinha 17 anos quando, após grandes hesitações, resolvi que ia para o instituto superior de teatro da cidade onde nasci. depois, no momento de realizar as diligências necessárias para ingressar, decidi de repente encaminhar-me por outras áreas onde finalmente me formei. durante muito tempo, de cada vez que ia ver uma peça, sentada na platéia, sentia o arrependimento a pesar-me no estómago como uma bola gigante; sentia-me como se estivesse sentada sobre uma mola que em qualquer momento impulsionar-me-ia direitinha para o palco. nesses momentos, refletia sobre o quanto tinha gostado daquilo que tinha aprendido na universidade ou que estava a aprender, e ficava muito mais confiada em relação à escolha que tinha feito tempo atrás. hoje, tenho a certeza de ter acertado plenamente na eleição. coisas da vida, a minha profissão actual conjuga muitas, senão todas, diria eu, das vocações que tinha quando era adolescente: linguagem, comunicação, ensino, literatura, cultura, improvisação e interpretação. quando estou a trabalhar estou "em palco". é mesmo. faço colocação de voz e executo vários registros; trabalho a expressão facial e corporal; movimento-me coreograficamente; invento e reinvento, previamente ou na hora. interpreto, afinal. interpreto e comunico, e os que me prestam atenção e aprendem comigo (aprendendo eu deles também) ora ficam com ar grave ora riem sem parar. "tu fizeste teatro, não fizeste?". "mmm... não, não fiz". "anda lá, diz, tu fizeste teatro, vê-se logo". "não a sério, não fiz". "então devias". tantas vezes me dizeram "és muito expressiva, sabes que pareces?". "uma actriz de cinema mudo...?". "é! é isso! ja te disseram antes, não te disseram?". "já...". um amigo meu bailarino está sempre a insistir "epá, tens mesmo de ir para a dança contemporânea. tira aí um cursinho, carago". e de facto, estive para ir no ano passado. a falta de tempo impediu-mo. a minha profissão preenche-me. reparei esta tarde, como muitas outras vezes antes, enquanto estava a preparar trabalho para o trabalho de amanhã. o teatro faz parte da minha profissão, no sentido em que referi, e não só. lá está o melhor. a minha profissão, como resultado da formação que recebi, apresenta-se mais abrangente. o próprio facto de me ter formado noutras áreas, permete-me hoje em dia poder ir para além da própria interpretação e envolver-me em actividades que fazem parte do meu ser tanto como o faz o teatro. um leque infinito de temas que me interessam e sobre os quais posso ler, investigar, escrever e comunicar. a minha escolha, a formação que resolvi seguir, fez da minha profissão uma profissão multidisciplinar; uma profissão que me oferece também a oportunidade de "actuar", que me acalma essa sede; uma profissão em contínua reciclagem -porque eu quero que assim seja- que aos poucos vai abrindo mais e mais portas. aliás, na minha profissão, "a peça" nem sempre está agendada; não tem princípio nem fim; pode ter público como pode não ter. mas tem é, de certeza, mais do que um palco onde ser "representada".
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