quinta-feira, outubro 04, 2007



esta cidade onde moro - gaivotas - gaivotas - o som das gaivotas
eu na janela das traseiras - gaivotas a sobrevoar marés de núvens
elas sobre um fundo cinzento-avermelhado - eu no meu silêncio
lindo
lindo
terrivelmente



sexta-feira, setembro 28, 2007


daqui a aproximadamente três anos
encontrámo-nos onde todas as pessoas se encontram e conversam: na rua, no aeroporto, no canto de um café, numa escada em espiral, no ecrã translúcido das pálpebras.
existiu a impossibilidade de qualquer coisa possível porque houve palavras sorrisos olhares. do modo como todas as pessoas se encontram e falam, haveremos de nos encontrar novamente na cidade onde nasci. e posso dizer que não acontecerá nada de especial. apresentar-nos-ão, como se não nos conhecêssemos. depois disso fecharemos os olhos para todos os sítios onde nos encontrámos -a noite sempre dentro da música- e não existirá nada de extraordinário. nenhuma palavra no espelho. nenhum sorriso. nenhum olhar


quinta-feira, julho 26, 2007


red landscape

quarta-feira, julho 11, 2007


pensamentos

Bonnie & Clyde (1967)


ele estava encostado à janela do quarto quando, de repente, parou de contar notas e pensou: "os dois somos fugitivos, rebeldes e estamos apaixonados um pelo outro. que tal se desses início à vossa evasão no próximo fim-de-semana em lisboa?". logo depois da última palavra pensada, recebeu uma mensagem no seu telemóvel. era dela. dizia: "estou a pensar em ir a lisboa passar o próximo fim-de-semana".


segunda-feira, julho 02, 2007










sugestivo e delicioso o trabalho desta jovem fotógrafa: Lilya Corneli

bliploblá patralá dritredé. é assim como falam as fadas. vamos dormir, vou-te contar um conto. queres vir dar uma volta pelo meu campo gravitacional? então fecha os olhos. sente-me. delatré plobliblá tralalá.


quarta-feira, junho 20, 2007



sailor & lula
-from me to you-
(audio)



quinta-feira, junho 14, 2007


hoje é um dia unza unza
yipi yipi yeah!

wake up crowd
wake up from your boring dream

emir kusturica & the no smoking orchestra - unza, unza time!

domingo, junho 03, 2007


para onde olhas, meu argumentista?
ahhh... já sei... encontraste a corista!
by b.v


(lindosolhososteus*)


sábado, junho 02, 2007


Do lat. traductĭo, -ōnis

(audio)

sexta-feira, junho 01, 2007

quinta-feira, maio 24, 2007


SÉRIE "DE DENTRO PARA FORA"

* nº 1

* nº 2

* nº 3

domingo, maio 20, 2007


PRÉMIO APE 2006 PARA MARIA GABRIELA LLANSOL
pela obra Amigo e Amiga


excêntrica inovadora subversiva inteligente delicada


IV


Ontem sobrevivi a uma noite de inverno, depois de
um dia que teve o ritmo do conflicto ________, do en-
contro________, e da espera.

________ no terraço, a emanação da noite era exac-
tamente igual à da outra noite na minha infância de Al-
pedrinha.

Era a noite de um afecto profundo,
depois de um conflicto que me marcara; não havia vento
na noite,
mas eu pensava no vento à deriva, e levantei a cabeça
para ver de que lugar vinha ele do céu; deparei, primeiro,
com o azul tinta, sem estrelas, e depois com as próprias
estrelas frias e cintilantes que me aproximavam do espaço
onde eu queria permanecer. Elevei-me, então, ao céu,
sempre com a cabeça inclinada para trás.
Minha cabeça, olha.

Distintamente, todas as estrelas da Ursa Maior ___ as
quatro do trapézio, a cauda e, seguindo o que me tinham
ensinado na Escola, vi a Estrela Polar.
Com a infância invertida sobre
a minha cabeça ___ e quase sem
eu em face de um prin-
cipio de céu
no meu firmamento ___ estremeci com o afecto delicioso
do mundo;
não podia deixar de olhar para cima, de parar de respi-
rar a noite, de murmurar que estava a criar uma lingua-
gem térrea para a estrela polar.
As quatro estrelas que sustentavam o brilho da Ursa
possuíam o esplendor de um animal suspenso da sua
cena. Sem a posse do eu que está no céu, não sei que
fazer da minha infância. O animal duradouro da terra
começa a noite, e é o primeiro dos meus afectos que vão
pelo mundo;
Foi assim que me trouxeram a casa, nem se-
quer houve suspensão na noite inesquecível; a meio da
estrada, vimos um vulto à mercê do primeiro automó-
vel que passasse.
Olhei profundamente o chão, na noite, com a mesma
expressão de olhar que erguera para o céu; e sob
o labéu de feio na sua boca de sapo, descobri um ser de
natureza tocante, de aspecto vulnerável e bizarro, em
que cada feição me atraía o afecto e o amor. "Ele é
assim, infinitamente belo, através de uma outra percep-
ção do Universo", pensei. "Mas não estás no bom cami-
nho", fiz-lhe sentir, com a rapidez indizível da comuni-
cação directa. "Vou pôr-te no bom caminho, pois eu
tenho braços, e posso proteger-te do meu falcão."
Tendo uma certa relutância, por causa da pele vis-
cosa, em pegar directamente no sapo fulgurante, envol-
vi-o na minha camisola, e pu-lo ao abrigo do olhar de
Aramis.
A noite passava, profunda, pelo mundo,
e roubava as almas que amavam o livro de imagens, desde
o princípio dos sapos, e das constelações postas sob a
protecção de um animal. A Ursa caminha no céu, um
sapo dera-me o privilégio de eu lhe pegar,
a manhã estava por servir.


V

a conclusão de que não há abismo, e que a infância não
pára de desenvolver-se e crescer,
é um novo princípio de realidade, de morte, de velhice:
eu não deixo de viver no mundo interior e exterior das
metamorfoses flutuantes; é já dia, mas a noite que con-
duz a esperança no pensamento, e sobre si própria, não
acabou.
Não acabou definitivamente;
onde estará, protegendo-se da luz, o sapo que brilha?
Eu tenho a intuição, Aramis, de que os monstros
são as tentativas mais puras do Universo.
"Olha-os, e não os mates."

(de O raio sobre o lápis)



A COMUNHÃO

Começara o ritmo da noite na taberna, os braços cruzados e descruzados sobre o balcão, os vértices dos cotovelos a abrirem feridas nas mesas, as moedas gastas com tristeza como barcos acabados num naufrágio. Era um movimento que se despia no silêncio contraído do Inverno e na luz moderada da lâmpada enroscada na trave central do tecto. A cor dura do vinho estampava-se na boca dos homens. Um canto de criança ou de mulher jovem alvejava para além das janelas. Bruno recolhia-o no seu próprio sorriso. "Um nascido", pensou José. "E vai morrer". O canto adormeceu (talvez a criança que o cantava ou a quem ele se dirigia), depois acordou, mais alto, com as palavras a evocarem oliveiras varejadas. A evocação esmagou o sorriso de Bruno. Tinha um aspecto lúcido de saúde, sem dúvida provisório, a ocultar o seu interior doente. Pela manhã varejara oliveiras na serra, os braços convergentes a aplacar as ondulações do pau. E de súbito principiara a sua dor, a flecha detestada da sua ermida de músculos e ossos, a cravá-lo completo no abdómen, somente uma parte do seu corpo. Gritara, fixo ao tronco esbranquiçado de uma oliveira, outros gritos iminentes sobre o rosto. Depois a dor acabara e ele reatara o movimento do seu pau.

- Estás doente, ó Bruno? - perguntou Lucília com a sua voz impudente.

Sentara-se de costas para o balcão e perscrutava, para cosê-las, peças brancas de roupa. As suas pernas dobradas armavam uma mesa coberta pela toalha do avental.

- Estive no hospital.
- Operaram-te?
- Não.
- Por que é que não te operaram?
- Não sei.
- As azeitonas, este ano, apodrecem nas árvores.

Bruno baixou a cabeça, a isolar-se na solidão da mesa a que estava sentado. Palpava-se despovoado de futuro: oliveiras sacudidas pelas varas e panos a brilharem a cerração de incontáveis azeitonas juntas; azeite lento, quase como corpo, a escorrer dos lagares para as bilhas; e, sobretudo, vozes a preludiarem o contacto íntimo de carne bem viva ("Ana, vais à serra?" "Agora?" "Não, logo". "Não, não vou à serra". "Agora não, mas logo. Ana, logo espero-te na serra.")

- Bebe, Bruno - disse Albino.

Bruno sentiu a rajada da sua mão nas costas, implacável como as destinadas aos complementos vivos. Ouvia falar os homens, converter-se em gestos e em palavras o seu ímpeto amachucado pelo silêncio grave dos campos. A taberna, através dos caixilhos das janelas e da porta, trancava-lhe a serra. Sumiam-se todas as suas Anas, numa procissão floral. [...]


INTRÓITO

As palavras escritas numa vidraça embaciada pela chuva são sempre tristes. Não importa o seu verdadeiro significado.
Quando Joana chegou com dois copos cheios de sumo de laranja, João Mateus apagou-as com um movimento rectilíneo da mão esquerda. A alma de João Mateus estava nas mãos, enquanto a de Joana estava nos olhos.
Joana sentou-se com todo o ser inclinado para João Mateus que continuava de pé, junto à janela. Depois acendeu o candeeiro e a luz cintilou no sumo da laranja.

- Parto segunda-feira - disse João Mateus com naturalidade.
- Vais acabar por falar à provinciana - respondeu ela também com naturalidade.
- Achas ridículos os médicos de aldeia? Habituar-me-ei?
- Tenho a certeza. Por que não?

Habituar-se-ia. O seu corpo abriria asas tranquilas e ritmadas. Mas João Mateus não era uma ave. Era uma árvore.

- Gostas de mim? - perguntou ela.

Nunca fizera aquela pergunta. João Mateus estendeu-lhe a mão por cima da mesa. Ela apertou-a e guardou o momento que cintilava com a luz no sumo de laranja.

- Se conseguisse ser diferente casava contigo... Gostava de ser pássaro.

Ele detestava todas as raízes e da paixão só conhecia a ânsia dos sentidos que em breve se apagava. No entanto, nessa teimosia orgulhosa, era uma raíz.

- Se fosses diferente já não serias o João Mateus...

Era sincera. O amor que sentia crescera tanto que não procurava encontrar finalidade, mesmo agora, que a distância surgia para sorver todos os instantes com a sede de um buraco de areia.
A presença de Joana transformava João Mateus em criança. A sua alma de homem voltava à infância e abandonava-se. Ela achava-o semelhante a um menino, no começo do sono e, virgem, tornava-se sua mãe.
As camélias entornavam na mesa o perfume da sua cor vermelha que, lentamente, se diluia. Às vinte horas João Mateus partiu. O tempo enrodilhava Joana. As pontas de cigarro, no cinzeiro de prata, e o cheiro a tabaco eram realidades que esboçavam uma presença perdida.
Francisco, ao entrar, perguntou a Joana:

- Esteve cá o João Mateus?
- Esteve - disse a irmã - Se fizer sol, amanhã daremos os três um grande passeio pelo campo. Gostas?

Francisco apertou-a nos braços e beijou-lhe o cabelo, visionário de bichos e pedras nos bolsos das calças.
Joana sentiu que era a infância que a beijava. Então chorou a partida de João Mateus. [...]

(de Os pregos na erva)


sábado, maio 12, 2007


cinco minutos a pé
hoje estarás muito perto da minha casa.
lembrei-me de ti esta manhã quando
me olhei ao espelho e imaginei os dias
andando pelo corredor com passos
pequenos de gigante.
nós mudamos a cada um desses passos
com mais uma branca no cabelo.
não partilhamos nada
a não ser
o espaço infinito de uma mesma
respiração ou esta cidade cheia de sol à tarde.

hoje estarás muito longe da minha casa.
mais ou menos a uma distância de cinco
passos gigantes.

segunda-feira, abril 30, 2007


ontem

ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
estresse
estresse
estresse
estresse

ele - tem calma
ela - não consigo
ele - ai consegues

calmaepersistência calmaepersistência

ele - tu podes conseguir tudo. tudo. tu és enorme. eu nunca vi tal
ela - pára com isso
ele - tu tens uma tola do caralho
ela - tola, o tanas!

ahhhhhhhhhhhhhhhhh estresseestresseestresse

ele - bloqueaste. acontece aos melhores. precisas é de te acalmar. tu és força. inteligência. eu nunca vi tal.
ela - páraaaaaaaaaaa com issooooooooooo!

calmaepersistência calmaepersistência calmaepersistência

hoje

eupossoeusoucapaz euseieuseieusei

calma
calma
calma

vá lá menina! vá lá!

persistência
persistência
persistência

vou partir a louça toda! ai vou!


sábado, abril 14, 2007


BLUEBIRD

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pur whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?


(Charles Bukowski)


domingo, abril 08, 2007


ernest e marlene




















"Marlene, I love you very much as you damned well know. It was you who decided that time on the boat that we had just left whoever we were mixed up with too soon. It wasn't me. We have been shot in the ass with bad luck more than probably any two people."

The close relationship between Ernest Hemingway and Marlene Dietrich was revealed yesterday in a series of newly-published passionate, and flirtatious letters. However the correspondence does not appear to confirm a physical relationship.


Hemingway to Dietrich, Sept 26, 1951: "I can't say how every time I ever put my arms around you I felt that I was home. Nor too many things. But we were always cheerful and jokers together."

Dietrich to Hemingway, April 4 1952: "I love you and you are always in my thoughts. I look at your picture every morning and say hello to you."

(www.telegraph.co.uk)


"Vítimas de paixão dessincronizada"... acontece aos melhores.


quarta-feira, abril 04, 2007


por fim amanhã!!

INLAND EMPIRE!

INLAND EMPIRE (UK-Trailer)

sexta-feira, março 30, 2007


Flamenco
by Valery Kosorukov


no interior do interior de um carvalho
há sangue e há garra
há tragicidade e há pesar
há movimento e há alegria
no interior do interior de um carvalho
há um enorme coração a latejar


sexta-feira, março 23, 2007

filha de Marte




é raíz firme no ar. é peixe fugidiço e é gato selvagem : é pétala de orvalho doce e é aragem morna nos dedos. pensa numa língua que lhe foi dada antes do que o seu nome quando cantava a música do oceano e segurava o leme e os seus sonhos cheiravam a especiaria. espera por tudo e não espera por nada. tem o rosto feito de sóis e de luas. é terra : e é céu : e é coração no peito e nos olhos.


(photo by Vladimir Clavijo)


quarta-feira, março 21, 2007


p


o

e

s

i

a
todos os dias
nos meus olhos


terça-feira, março 13, 2007


hoje apetecia-me eludir o mundo, mas não consigo encontrar o espaço ideal para me esconder. pensei num cemitério, qualquer um dos vários que existem na cidade onde moro. à tarde não há quase ninguém nos cemitérios, o problema é que todos eles fecham demasiado cedo e eu precisava era de fugir algumas horas. em toda a parte há pessoas. num jardim há pessoas, e se não há também não convém. é perigoso. pensei na praia, mas a praia não tem cantos. podia-me esconder nos versos, mas isso é estar demasiado perto de mim. hoje apetecia-me eludir tudo e todos. deixar-me estar num silêncio exterior e interior. é bom deixar-se estar assim. é necessário por vezes. mas é complicado encontrar o sítio onde deixar-se estar. fiquei chateada. estava uma tarde linda lá fora e eu tive de voltar para casa por não conseguir eludir o mundo dentro do próprio mundo. na minha casa estou também demasiado perto de mim. entrar na minha casa é encontrar-me a mim própria, o que nunca me incomoda, antes pelo contrário, sossega-me imenso, mas não era o que me apetecia hoje. enfim... voltei à pouco para a minha linda casa num movimento estúpido de pião. desisto. aqui e agora mudo de planos: vou eludir o mundo fora do próprio mundo dentro da minha casa perto de mim. também não é mau. o meu chá quentinho e a música de luigi boccherini a enrolar-se nos meus tornozelos, a subir pelas minhas pernas... quando o allegro molto chegar ao meu peito vou-me deixar estar no mais absoluto sossego. afinal, até que vou conseguir escapar.


domingo, março 04, 2007


SONNET 23


As an unperfect actor on the stage,
Who with his fear is put besides his part,
Or some fierce thing replete with too much rage,
Whose strength's abundance weakens his own heart;

So I for fear of trust, forget to say,
The perfect ceremony of love's rite,
And in mine own love's strenght seem to decay,
O'ercharg'd with burthen of mine own love's might:

O let my books be then the eloquence,
And dumb presagers of my speaking breast,
Who plead for love, and look for recompense,
More than that tongue that more hath more express'd.

O learn to read what silent love hath writ,
To hear with eyes belongs to love's fine wit.

(William Shakespeare)


domingo, fevereiro 18, 2007


às vezes saio à rua com um saxofone no meu peito


o meu avô era saxofonista. aos domingos à tarde, depois de eu ter passado horas a desenhar na sala de jantar, o pai da minha mãe ia buscar o seu saxofone e sentava-me no seu colo. eu pedia-lhe para poder abrir o estojo e ele dizia "está bem", e depois acrescentava "devagarinho". e era assim como eu abria o estojo, aquilo que eu imaginava ser uma vagem de alfarroba madura: com gestos pequenos lentos delicados.

ontem à tarde falei com a minha mãe ao telefone. foi ela que me fez lembrar mais uma vez nos domingos da minha infância. nas tardes no quintal da casa dos meus avôs durante a primavera e o verão e o outono antes do frio chegar. nas tardes na sala de jantar da casa dos meus avôs durante o tempo em que as amoreiras ficavam completamente nuas. o saxofone ligeiramente desmembrado à minha frente, e o meu avô a pegar nas peças com gestos pequenos lentos delicados. um saxofone inteiro nas minhas mãos. "segura-o bem". eu sempre gostei do meu avô materno e ele sempre gostou muito de mim.
nos anos 50 o meu avô era um homem viúvo com dois filhos. nos anos 50 havia demasiado pó nas ruas da cidade e demasiada fome dentro das casas. nos anos 50 o meu avô era escultor durante o dia e músico à noite. por vezes, a minha mãe e o meu tio mais velho esperavam-no no portão de casa até vê-lo aparecer ao longe e então desatavam a correr rua acima ao encontro dele. depois, sentavam-se os três na mesa da sala e o meu avô tirava da campânula do saxofone um embrulho e pousava-o no centro da mesa. não era todas as noites que o meu avô conseguia levar para casa alguns petiscos dos locais onde ia tocar. nos anos 50 não havia pitéus para (quase) ninguém.

lembro-me do dia em que confessei ao meu avô o meu desejo. foi numa daquelas tardes em que me deixava perder na marcação de compassos, no caminho da semibreve à semifusa -sentir a música é ser uma folha a descer pelo riacho-. "gostava que algum dia este saxofone fosse para mim". abaixei o olhar, toda envergonhada, e o meu avô disse "está bem". olhei para ele, olhei para os seus olhos, "eu aprendo a tocar". ele sorriu e piscou um olho.

eu sempre gostei do meu avô materno e ele sempre gostou muito de mim. o som de um saxo foi sempre o meu preferido de entre todos os sons instrumentais: a sua respiração côncava numa cave em penumbra. ontem à tarde disse isto à minha mãe e disse-lhe que, por esses motivos, às vezes saio à rua com um saxofone pregado ao peito.







domingo, janeiro 28, 2007



The woman and the roses
by Marc Chagall

WINTER TREES

All the complicated details
of the attiring and
the disattiring are completed!
A liquid moon
moves gently among
the long branches.
Thus having prepared their buds
against a sure winter
the wise trees
stand sleeping in the cold.

(William Carlos Williams)


o inverno é dormir entre as minhas flores, deixar que a terra me aqueça os pés, e esperar que o azul se misture com o amarelo para me vestir o corpo.

quarta-feira, janeiro 03, 2007


propriedade comutativa das minhas operações anuais

2+0+0+7 = mangas arregaçadas + botas novas + muito caminho por andar sem olhar para trás.


terça-feira, dezembro 26, 2006


domingo, dezembro 17, 2006


Twin Peaks - "Cooper's Dream" (David Lynch)





Mulholland Drive (Club Silencio)



adoro as ambiências criadas por este homem...
  • the universe of david lynch
  • www.davidlynch.com

  • quarta-feira, dezembro 13, 2006


    cio-cio-san





    quarta-feira, dezembro 06, 2006


    by b.v


    SONG TO THE SIREN

    On the floating, shipless oceans
    I did all my best to smile
    'Til your singing eyes and fingers
    Drew me loving to your isle
    And you sang, "Sail to me. Sail to me, let me enfold you.
    Here I am. Here I am, waiting to hold you."

    Did I dream you dreamed about me?
    Were you here when I was full sail?
    Now my foolish boat is leaning
    Broken lovelorn on your rock
    For you sing, "Touch me not. Touch me not, come back tomorrow."
    Oh my heart, oh my heart shies from the sorrow.

    Well I'm as puzzled as a newborn child.
    I'm as riddled as the tide.
    Should I stand amid the breakers,
    Or should I lie with death, my bride?
    Hear me sing, "Swim to me. Swim to me, let me enfold you.
    Here I am. Here I am, waiting to hold you."



    hear me whisper: "i love you. i still love you. come here, let me enfold you.
    here i am. here i am, waiting to hold you. waiting to flow with you."


    quinta-feira, novembro 30, 2006


    O POETA CATALÃO PERE GIMFERRER VENCEDOR DO PREMIO INTERNACIONAL DE POESÍA Y ENSAYO OCTAVIO PAZ 2006

    e o meu poema preferido dele é este:

    ODA A VENECIA ANTE EL MAR DE LOS TEATROS

    Las copas falsas, el veneno y la calavera de los teatros.
    García Lorca
    Tiene el mar su mecánica como el amor sus símbolos.
    Con que trajín se alza una cortina roja
    o en esta embocadura de escenario vacío
    suena un rumor de estatuas, hojas de lirio, alfanjes,
    palomas que descienden y suavemente pósanse.
    Componer con chalinas un ajedrez verdoso.
    El moho en mi mejilla recuerda el tiempo ido
    y una gota de plomo hierve en mi corazón.
    Llevé la mano al pecho, y el reloj corrobora
    la razón de las nubes y su velamen yerto.
    Asciende una marea, rosas equilibristas
    sobre el arco voltaico de la noche en Venecia
    aquel año de mi adolescencia perdida,
    mármol en la Dogana como observaba Pound
    y la masa de un féretro en los densos canales.
    Id más allá, muy lejos aún, hondo en la noche,
    sobre el tapiz del Dux, sombras entretejidas,
    príncipes o nereidas que el tiempo destruyó.
    Que pureza un desnudo o adolescente muerto
    en las inmensas salas del recuerdo en penumbra
    ¿Estuve aquí? ¿Habré de creer que éste he sido
    y éste fue el sufrimiento que punzaba mi piel?
    Qué frágil era entonces, y por qué. ¿Es más verdad,
    copos que os diferís en el parque nevado,
    el que hoy así acoge vuestro amor en el rostro
    o aquel que allá en Venecia de belleza murió?
    Las piedras vivas hablan de un recuerdo presente.
    Como la vena insiste sus conductos de sangre,
    va, viene y se remonta nuevamente al planeta
    y así la vida expande en batán silencioso,
    el pasado se afirma en mí a esta hora incierta.
    Tanto he escrito, y entonces tanto escribí. No sé
    si valía la pena o la vale. Tú, por quien
    es más cierta mi vida, y vosotros que oís
    en mi verso otra esfera, sabréis su signo o arte.
    Dilo, pues, o decidlo, y dulcemente acaso
    mintáis a mi tristeza. Noche, noche en Venecia
    va para cinco años, ¿cómo tan lejos? Soy
    el que fui entonces, sé tensarme y ser herido
    por la pura belleza como entonces, violín
    que parte en dos aires de una noche de estío
    cuando el mundo no puede soportar su ansiedad
    de ser bello. Lloraba yo acodado al balcón
    como en un mal poema romántico, y el aire
    promovía disturbios de humo azul y alcanfor.
    Bogaba en las alcobas, bajo el granito húmedo,
    un arcángel o sauce o cisne o corcel de llama
    que las potencias últimas enviaban a mi sueño.
    Lloré, lloré, lloré
    ¿Y cómo pudo ser tan hermoso y tan triste?
    Agua y frío rubí, transparencia diabólica
    grababan en mi carne un tatuaje de luz.
    Helada noche, ardiente noche, ¡noche mía
    como si hoy la viviera! Es doloroso y dulce
    haber dejado atrás a la Venecia en que todos
    para nuestro castigo fuimos adolescentes
    y perseguirnos hoy por las salas vacías
    en ronda de jinetes que disuelve un espejo
    negando, con su doble, la realidad de este poema.


    (do livro Arde el mar, 1966)


    PERE GIMFERRER
    poeta (em língua espanhola e língua catalã), tradutor e crítico literário. nasceu em Barcelona em 1945.