peça de natal
acto I
no palco há pessoas. há cinza suspensa no ar. há árvores penduradas que acendem de súbito. algumas dessas pessoas seguram nas mãos sacos cheios de coisas prescindíveis enquanto caminham apressadamente. desde a platéia, eu vejo essas pessoas a atravessarem a cinza suspensa no ar. andam de olhos abertos mas estão cegas; não vêem os corpos nus e contorcidos das outras pessoas que estão no chão. estas pessoas também não vêem aquelas que caminham apressadamente. não por serem cegas, mas por terem os olhos ensanguentados. uma carroça enfeitada com flores de plástico passa pelas pessoas. aquelas que caminham atravessando a cinza ouvem uma música de filme americano dos anos 50 que sai cuspida dos megafones da carroça. as que estão deitadas no chão, ouvem os gritos das outras pessoas que estão também deitadas no chão. desde a platéia, eu vejo tudo. no palco há pessoas. há cinza suspensa no ar. há dor nos olhos ensanguentados das pessoas que gritam perante a cegueira dos que caminham apressados com sacos cheios de coisas prescindíveis.
acto II
estou em pé. seguro um saco na mão. caminho lentamente atravessando cortinas de cinza e vejo logo que há pessoas no chão. olho para o meu saco. abro-o. lá dentro está uma boneca a dormir. digo-me que só as crianças têm o direito de estarem cegas. uma carroça enfeitada com flores de plástico passa por mim enquanto sinto como os gritos das pessoas que têm os olhos ensanguentados espetam-se no meu peito. fecho o saco, aperto os lábios e digo-me, juro, que nunca vou deixar de ouvir esses gritos. cai o pano e cai a noite sobre o meu corpo e sobre os corpos nus e contorcidos que estão no chão. desde o palco, eu vejo tudo. na platéia não há pessoas. não há cinza suspensa no ar. não há árvores penduradas que acendam de súbito.
acto I
no palco há pessoas. há cinza suspensa no ar. há árvores penduradas que acendem de súbito. algumas dessas pessoas seguram nas mãos sacos cheios de coisas prescindíveis enquanto caminham apressadamente. desde a platéia, eu vejo essas pessoas a atravessarem a cinza suspensa no ar. andam de olhos abertos mas estão cegas; não vêem os corpos nus e contorcidos das outras pessoas que estão no chão. estas pessoas também não vêem aquelas que caminham apressadamente. não por serem cegas, mas por terem os olhos ensanguentados. uma carroça enfeitada com flores de plástico passa pelas pessoas. aquelas que caminham atravessando a cinza ouvem uma música de filme americano dos anos 50 que sai cuspida dos megafones da carroça. as que estão deitadas no chão, ouvem os gritos das outras pessoas que estão também deitadas no chão. desde a platéia, eu vejo tudo. no palco há pessoas. há cinza suspensa no ar. há dor nos olhos ensanguentados das pessoas que gritam perante a cegueira dos que caminham apressados com sacos cheios de coisas prescindíveis.
acto II
estou em pé. seguro um saco na mão. caminho lentamente atravessando cortinas de cinza e vejo logo que há pessoas no chão. olho para o meu saco. abro-o. lá dentro está uma boneca a dormir. digo-me que só as crianças têm o direito de estarem cegas. uma carroça enfeitada com flores de plástico passa por mim enquanto sinto como os gritos das pessoas que têm os olhos ensanguentados espetam-se no meu peito. fecho o saco, aperto os lábios e digo-me, juro, que nunca vou deixar de ouvir esses gritos. cai o pano e cai a noite sobre o meu corpo e sobre os corpos nus e contorcidos que estão no chão. desde o palco, eu vejo tudo. na platéia não há pessoas. não há cinza suspensa no ar. não há árvores penduradas que acendam de súbito.
<< Home