quarta-feira, novembro 23, 2005

a cidade onde moro tem luz e ela não vem do céu
é uma luminosidade que nasce nas janelas aos quadradinhos ou nas pedras das calçadas ou nas asas das gaivotas e estende-se pelo ar para envolver as pessoas. mesmo nos dias de chuva, quando as núvens enleadas tentam engarnar-nos, todos os que cá moramos andamos de casaco brilhante. gosto da cidade onde moro porque é mágica. basta um raio redirigido dessa luz secreta e própria para a cidade metamorfosear. nos fins-de-tarde, por exemplo, costuma ser mar d'ouro ou campo de trigo no verão. e é nessa hora do dia quando todos os que cá moramos abandonamos as nossas ocupações e saimos à rua para navegar sem velas ou para ceifar o cereal com os nossos dedos.

quarta-feira, novembro 09, 2005

POR UM ACASO

Entendi que era verdade
Toda aquela claridade
A entrar pela janela.
Vi teus olhos a brilhar
Duma cor que vem do mar
E de todas a mais bela.

Foi o encanto desse olhar
Que me fez acreditar
Na repentina verdade.
Corri para porta da rua
E a vontade nua e crua
Era agora realidade.

Eu por ti então tirei
As cortinas que fechei
Noutro tempo que vivi.
Entre crenças nublosas
Tuas súplicas teimosas
Me juntaram mais a ti.

Lembro esse dia distante
Em que só por um instante
Esqueci a cortina aberta.
Afinal um esquecimento
Revelou num só momento
Toda a luz da descoberta.

Letra: Aldina Duarte
Música: José Marques (Fado Triplicado)

terça-feira, novembro 08, 2005

somewhere i have never travelled,gladly beyond
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near

your slightest look easily will unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully,mysteriously) her first rose

or if your wish be to close me,i and
my life will shut very beautifully, suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;

nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility: whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(i do not know what it is about you that closes
and opens; only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody,not even the rain, has such small hands

(E.E.Cummings)

sexta-feira, novembro 04, 2005

os raios luminosos propagam-se em linha recta, excepto quando a atração gravitacional de um buraco negro obriga-os à propagação curvilínea. assim, por vezes, nós somos desencaminhados também por uma força que nos engole. resta-nos apenas não oferecer resistência. não adianta. pois não é o homem quem faz as leis nem existem leis que não se possam quebrantar.

quinta-feira, novembro 03, 2005

VEM

Vem
além de toda a solidão
perdi a luz do teu viver
perdi o horizonte.
Está bem
prossegue lá até quereres
mas vem depois iluminar
um coração que sofre.
Pertenço-te
até ao fim do mar.
Sou como tu
da mesma luz
do mesmo amar.
Por isso vem
porque te quero
consolar.
Se não, está bem
deixa-te andar a navegar.

(Madredeus)