domingo, setembro 24, 2006


quero ser comida pelas pinturas flamengas como quero entrar na terra do campo

neste momento, gostava de poder fazer parte dalguma das Alegorias aos cinco sentidos do Jan Brueghel, "o Velho". gostava mesmo de poder entrar nalguma delas. dava... enfim, nem sei o que eu era capaz de doar para poder penetrá-las neste momento. acontece-me isso com a pintura flamenga dos séc. XVI e XVII mais do que com qualquer outra obra de qualquer outra época. é uma atracção irrestistível... e penso que, de alguma forma, mais do que uma vez, já consegui entrar nessas pinturas. lembro-me, nomeadamente, de duas vezes em que isso aconteceu: no Museo del Prado em Madrid e na Gemäldegalerie Museum em Berlim. relatar agora o processo de transportação e consequente sensação de acesso seria, acho, uma perca de tempo e de palavras. podia tentar, claro, mas sinto que não sou capaz de transmitir de forma clara um facto tão empiricamente intransferível ou racionalmente incompreensível. e até porque há coisas que não devem ser ditas. têm de ficar dentro de nós, como qualquer grande segredo. é o pormenor extremado e o brilho das cores e a finura nos traços e mais alguma coisa que nem seque
r eu sei, aquilo que me faz ser uma apaixonada pela pintura flamenga. é a mesma inclinação visceral que sinto quando cheiro a terra do campo e tenho de me reprimir para não trincar nela, mastigá-la e engoli-la. quero entrar nas pinturas flamengas como quero comer a terra do campo, porque o acto de ingestão daquilo que nos atrae é um acto de possessão daquilo que nos atrae, sendo que quando nos nutrimos daquilo que desejamos não é para o destruir, mas para passar a formar parte disso, que é maior do que nós.



Allegory of Sight



Allegory of Hearing



sexta-feira, setembro 22, 2006


CatPeople (from Barcelona)
28 Outubro no Hard Club, VN de Gaia.


CatPeople - "Radio"

sábado, setembro 16, 2006


excerto de um dos meus romances preferidos do meu escritor hispanoamericano preferido


1

¿Encontraría a la Maga? Tantas veces me había bastado asomarme, viniendo por la rue de Seine, al arco que da al Quai de Conti, y apenas la luz de ceniza y olivo que flota sobre el río me dejaba distinguir las formas, ya su silueta delgada se inscribía en el Pont des Arts, a veces andando de un lado a otro, a veces detenida en el pretil de hierro, inclinada sobre el agua. Y era tan natural cruzar la calle, subir los peldaños del puente, entrar en su delgada cintura y acercarme a la Maga que sonreía sin sorpresa, convencida como yo de que un encuentro casual era lo menos casual en nuestras vidas, y que la gente que se da citas precisas es la misma que necesita papel rayado pare escribirse o que aprieta desde abajo el tubo de dentífrico.

Pero ella no estaría ahora en el puente. Su fina cara de translúcida piel se asomaría a viejos portales en el ghetto del Marais, quizá estuviera charlando con una vendedora de papas fritas o comiendo una salchicha caliente en el boulevard de Sebastopol. De todas maneras subí hasta el puente, y la Maga no estaba. Ahora la Maga no estaba en mi camino, y aunque conocíamos nuestros domicilios, cada hueco de nuestras dos habitaciones de falsos estudiantes en París, cada tarjeta postal abriendo una ventanita Braque o Ghirlandaio o Max Ernst contra las molduras baratas y los papeles chillones, aun así no nos buscaríamos en nuestras casas. Preferíamos encontrarnos en el puente, en la terraza de un café, en un cine-club o agachados junto a un gato en cualquier patio del barrio latino. Andábamos sin buscarnos pero sabiendo que andábamos para encontrarnos. [...]


Rayuela - Julio Cortázar


domingo, setembro 10, 2006


os pés da guerreira (descanso depois do triunfo)



by borboletavermelha



como era de esperar, este fim-de-semana correu muito bem... amanhã estenderei as asas novamente. há muito trabalho para se fazer. neste momento apenas estou à espera do equinócio de outono: a cidade onde moro fica linda de morrer nos fins de tarde, quando se besunta com o mel que vem do céu.


quarta-feira, setembro 06, 2006


Thank you very much M.! I hope you have a wonderful day!
este é um e-mail que encontrei agora na caixa de entrada e é de uma pessoa desconhecida a quem eu ajudei. nunca ouvi a sua voz nem sei qual é a cor dos seus olhos e também não interessa. este e-mail é o melhor que me tem acontecido desde que acordei esta manhã. ou melhor, é a única coisa que me conseguiu reconfortar neste fim do dia; que até me arrancou um sorriso e uma tímida gargalhada depois de um dia péssimo como o de hoje (sem exagero, o pior nos últimos dois anos). não, hoje não tive um dia fantástico. mas amanhã será um dia diferente porque quando uma porta se fecha há sempre outra que se abre e porque nada acontece por acaso. puxaram-me o tapete mas eu continuo em pé, e amanhã vou ter um dia fantástico simplesmente porque tenho a certeza absoluta que estou no início de um caminho muito melhor do que aquele que deixei atrás. por isso, resta-me apenas escrever para os "cromos" do tapete: thank you very much!, e para a pessoa do e-mail: you're welcome.



THE PERFECT GIRL


You're such a strange girl
I think you come from another world
You're such a strange girl
I really don't understand a word
You're such a strange girl
I'd like to shake you around and around
You're such a strange girl
I'd like
To turn you
All upside down

You're such a strange girl
The way you look like you do
You're such a strange girl
I want to be with you

I think I'm falling
I think I'm falling in
I think I'm falling in love with you
With you

(The Cure)

segunda-feira, setembro 04, 2006


esta manhã acordei muito cedo, cheguei há pouco a casa e doem-me os pés: hoje passeei o dia todo por Lisboa.
uma colega minha tinha lá uma reunião e eu aproveitei pra fazer a viagem com ela e pra me deixar perder por essa cidade que só me traz boas recordações. se houve alguma vez momentos menos doces, já não me lembro deles ou, se me lembro deles, é com um sorriso que o faço. estou cansada e cheia de fome, mas muito serena. talvez depois de encher o papo, e se o sono não me vence, volte cá pra escrever mais um bocado sobre o dia que passei em Lisboa.


domingo, setembro 03, 2006


[...]
So I took Anse. And when I knew that I had Cash, I knew that living was terrible and that this was the answer to it. That was when I learned that words are no good; that words dont ever fit even what they are trying to say at. When he was born I knew that motherhood was invented by someone who had to have a word for it because the ones that had the children didn't care whether there was a word for it or not. I knew that fear was invented by someone that had never had the fear; pride, who never had the pride. I knew that it had been, not that they had dirty noses, but that we had had to use one another by words like spiders dangling by their mouths from a beam, swinging and twisting and never touching, and that only through the blows of the switch could my blood and their blood flow as one stream. I knew that it had been, not that my aloneness had to be violated over and over each day, but that it had never been violated until Cash came. Not even by Anse in the nights. [...]

William Faulkner - As I Lay Dying (Chapter 40)