domingo, julho 30, 2006


CARTA (ESBOÇO)


Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir até de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: "Vem comigo!", e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.

(Nuno Júdice)


sábado, julho 22, 2006


c'est la pluie que je veux. des baisses en glissant comme fils par la fenêtre de ma chambre. et je marche sur eux. sur ces fils. sur la pluie que je veux. celle-ci. je dis que je t'aime et seulement elle s'écoute.


Yann Tiersen - Sur le fil

sexta-feira, julho 21, 2006

amanhã
toda a luz do céu será suficiente. será suficiente uma onda a morrer na areia e o sal nos meus lábios. hoje, uma nuvem a passar formando espirais é suficiente. ontem, o som que fez uma folha ao desistir do ramo foi suficiente. não há nada que me possa deter. basta-me saber que há céu e nuvens e ondas e árvores. luz movimento água som espirais. terra. os meus dedos afundados na terra e depois eu a voar. ontem hoje amanhã. sempre eu. sempre a sorrir. a passar por cima das montanhas. a atravessar selvas escuras. sempre eu amanhã. nada me derruba. o tempo que está à minha frente é infinito. o tempo que está por trás de mim é infinito. amanhã é ontem e é hoje. sou eu em pé. sem medo de nada. nem sequer da morte.

quarta-feira, julho 19, 2006


a inveja é má. é má. muito má. e os invejosos metem-me nojo. e quando a inveja junta-se à ambição desmedida então nem palavras tenho pra descrever o sentimento que me nasce no peito. o sentimento feio e mau e nojento que me produzem aqueles que, por insatisfação pessoal, por frustração, por falta de auto-confiança, por insegurança, por estultícia, ou simplesmente porque são uns desgraçados, uns castrados mentais, e as suas vidas são vazias e não suportam ver que os outros conseguem ter uma vida normal, aprazível e prometedora, pisam e destroem àqueles que com trabalho e humildade e muito esforço conseguem ser competentes naquilo que fazem, bons mesmo. os invejosos patológicos, esses sacanas, só encontram satisfação quando tentam afundar àqueles que, segundo julgam, podem fazer-lhes qualquer tipo de sombra. àqueles que abertamente não admitem as suas tretas e são frontais e são honestos. e fazem isso para se sentirem superiores, para se sentirem qualquer coisa que não são nem nunca virão a ser. eu não quero essas pessoas na minha vida. rejeito completamente tê-las por perto. porque são más pessoas e eu nem tenho tempo nem pachorra nem vontade nem a estupidez para os aturar. porque não me interessa minimamente lidar com eles nem batalhar com eles. porque não valem esse esforço. porque estão num nível muito inferior em termos de sentido de Humanidade. e no fundo tenho pena deles porque o tempo e o universo pô-los-á no sítio que merecem. não, não quero que essas pessoas façam parte do meu dia-a-dia. mesmo que isso signifique ter de largar um emprego. não há nada que "valha" tanto que não nos permita afastar essas pessoas de nós e ficar apenas com as que se podem chamar de "pessoas". até porque os invejosos, na sua doença, o que mais desejam é fazer com que nós nos enfrentemos a eles e o melhor que nós podemos fazer é não lhes dar esse gosto.

às vezes este mundo é um mundo de merda, mas tá-se bem.


Morbid Angel - World Of Shit

segunda-feira, julho 17, 2006


a minha irmã ligou-me há pouco desde lisboa. tinha acabado de chegar do alentejo (ainda estou a morrer de inveja. morro de saudades). é esquisito ouvir a minha mana do outro lado do telefone porque sei que a voz que estou a ouvir é como se fosse a minha. até a nossa mãe engana-se às vezes. sei porque alguma vez já ouvi a minha própria voz gravada e foi como se estivesse a ouvir a minha irmã. quando me telefonou há pouco, eu estava a pintar as unhas dos pés de vermelho intenso. é engraçado porque não gosto demasiado de mostrar os pés. no verão não costumo andar de sandálias, ainda menos de chinelas. ao máximo uso sapatos ligeiramente abertos que deixam entrever a forma do pé ou intuir os dedos. por vezes dá para ver as unhas pintadas de vermelho sangue. "és catita até mais não", disse a minha mana. "catita? eu?". sou vaidosita... as unhas das mãos é que não pinto. não com uma cor intensa pelo menos. de vez em quando passo um esmalte transparente ou quase transparente, apenas para dar um pouco de brilho. gosto de mãos simples eu. adoro tudo o que é simples. "és catita mas simples, verdade seja dita. consegues conjugar as duas coisas.", acrescentou a minha irmã. "ainda bem". se exibisse completamente os pés, teria que pintar as unhas das mãos também. ou não. logo se veria. também não ando sempre com as unhas dos pés pintadas. estou com vontade de ver a minha mana. fiquei com vontade de ver "Lolita" do Kubrick. lá vou eu agora buscar o filme que está na prateleira do meu quarto. "as unhas dos pés pintadas de vermelho intenso ficam bué de giras.", disse eu à minha mana. "pois ficam".


sábado, julho 15, 2006


"If you really love me, then let's make a vow. Repeat after me: I'm gonna be free. I'm gonna be brave. I'm gonna live each day as if it were my last. Fantastically, courageously, with grace."


Me and You and Everyone We Know (trailer)



Me and You and Everyone We Know is a poetic and penetrating observation of how people struggle to connect with one another in an isolating and contemporary world. Christine Jesperson is a lonely artist and “Eldercab” driver who uses her fantastical artistic visions to draw her aspirations and objects of desire closer to her. Richard Swersey (John Hawkes), a newly single shoe salesman and father of two boys, is prepared for amazing things to happen. But when he meets the captivating Christine, he panics. Life is not so oblique for Richard's seven-year-old Robby, who is having a risqué internet romance with a stranger, and his fourteen- year-old brother Peter who becomes the guinea pig for neighborhood girls— practicing for their future
of romance and marriage.

In July's modern world, the mundane is transcendent and everyday people become radiant characters who speak their innermost thoughts, act on secret impulses, and experience truthful human moments that at times approach the surreal. They seek together-ness through tortured routes and find redemption in small moments that connect them to someone
else on earth.
by borboletavermelha


irremediavelmente

o mundo inteiro estava nos seus olhos. estava todo o amor que albergava por ela, e todo esse amor era um mundo inteiro; um universo com mil constelações. ela amava-o também, mas o amor que nela se continha era a metade de um mundo ou um continente com centenas de paisagens. ele tinha um universo para lhe dar. ela tinha apenas um continente. por isso, despediram-se numa tarde de domingo momentos antes do pôr-do-sol. ele estendeu-lhe as chaves de casa. ela pegou nas chaves e estendeu-lhe umas pétalas de violeta. ele chorou muito antes de sair. ela ficou calada porque não sabia o que dizer.